Todos nós carregamos dentro de nós uma parte que representa a nossa infância: uma criança cheia de sonhos, medos e emoções. A expressão “criança interior” nos convida a reconhecer essa parte de nós mesmos que, muitas vezes, é deixada de lado, silenciada ou mesmo esquecida. Essa conexão com nossa criança interior é fundamental para o nosso bem-estar emocional, pois ela traz à tona as experiências e sentimentos que moldaram quem somos.

Quando olhamos para a nossa infância, é comum nos depararmos com momentos de alegria, mas também com dor e dificuldades. Muitas vezes, essas experiências deixaram marcas que influenciam nossos comportamentos e relacionamentos na vida adulta. Por exemplo, uma criança que cresceu em um ambiente crítico pode carregar consigo a crença de que não é boa o suficiente. Essa crença pode se manifestar em situações cotidianas, como ao buscar validação nas relações ou ao evitar desafios por medo de fracassar. Reconhecer essas dinâmicas é o primeiro passo para a cura.

A abordagem sistêmica, que considera o indivíduo como parte de um sistema maior de relações, nos ajuda a entender como nossas experiências familiares moldam nossa percepção de nós mesmos. A psicologia sistêmica, fundamentada em teorias como as de Murray Bowen e Salvador Minuchin, nos ensina que nossas experiências na infância moldam não apenas nossa identidade, mas também a forma como nos relacionamos com os outros. Por exemplo, uma pessoa que teve um relacionamento complicado com um dos pais pode projetar essa experiência em suas relações atuais, repetindo padrões de afastamento ou desconfiança. Ao olharmos para essas relações, podemos identificar os padrões que nos impedem de viver plenamente.

Uma prática poderosa para acolher a criança interior é a visualização. Imagine-se em um espaço seguro, onde pode reencontrar essa criança que um dia você foi. O que ela sente? Quais são suas alegrias e tristezas? Ao nos conectarmos com essas emoções, damos voz ao que foi silenciado por muito tempo. Essa conexão é vital, pois muitas vezes as emoções reprimidas se manifestam de maneiras prejudiciais em nossas vidas, seja por meio de ansiedade, depressão ou dificuldades nos relacionamentos.

Autocompaixão é outra ferramenta essencial nesse processo. Em vez de nos julgarmos severamente por nossos erros ou falhas, podemos aprender a nos tratar com a mesma gentileza que ofereceríamos a um amigo querido. Essa prática, como ensina a pesquisadora Kristin Neff, é fundamental para lidar com a dor emocional. Ao praticar a autocompaixão, criamos um espaço de acolhimento para nossa criança interior, permitindo que ela se sinta segura e amada.

A escrita também pode ser uma forma terapêutica de se conectar com a criança interior. Manter um diário emocional permite que você registre seus sentimentos e reflexões, ajudando a identificar padrões e emoções que precisam de atenção. Por exemplo, ao escrever sobre um dia difícil, você pode perceber que as emoções que está sentindo têm raízes em experiências passadas. Essa consciência é o primeiro passo para a transformação.

Outro aspecto importante é a qualidade das relações interpessoais. A conexão com os outros é essencial para a nossa saúde emocional. Quando acolhemos nossa criança interior, aprendemos a nos abrir para a vulnerabilidade e a construir relações mais autênticas. Isso significa compartilhar nossos sentimentos, medos e inseguranças com pessoas de confiança. Em um mundo onde a desconexão e a solidão são cada vez mais comuns, essa prática é um antídoto poderoso.

A jornada de acolher a criança interior não é um processo fácil, mas é profundamente transformadora. Ela nos convida a olhar para nossas feridas com compaixão e a reconhecer que somos dignos de amor e cuidado, independentemente do que vivemos. Esse acolhimento é uma forma de reescrever nossa história, de romper com padrões disfuncionais e de criar novas narrativas que nos empoderem.

Em última análise, acolher nossa criança interior é um ato de coragem. É um convite para abraçar nossa vulnerabilidade e nos permitir ser vistos em nossa totalidade. Quando fazemos isso, não apenas nos curamos, mas também criamos um espaço para que outros façam o mesmo. Através dessa jornada, aprendemos que a verdadeira força vem do amor e da aceitação, tanto de nós mesmos quanto dos outros.

Autora: Margarete Volpi

Bibliografia

  • BROWN, Brené. A Coragem de Ser Imperfeito. Rio de Janeiro: Editora Sextante, 2016.
  • NEFF, Kristin. Autocompaixão: Parar de se Sabotar e Começar a Ajudar a Si Mesmo. Rio de Janeiro: Editora BestSeller, 2012.
  • STAHl, Stefanie. Acolhendo Sua Criança Interior. São Paulo: Editora Planeta, 2016.
  • BOWEN, Murray. Family Therapy in Clinical Practice. New York: Jason Aronson, 1978.
  • MINUCHIN, Salvador. Family Healing: Teaching Family Therapy. New York: The Guilford Press, 1992.

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