Familias reconstituidas

O aumento do número de famílias reconstituídas, formadas após divórcios ou separações, e a pluralização dos papéis parentais nos fazem repensar a estrutura familiar e como esses novos papéis são construídos, especialmente o de madrastas e padrastos. Estes papéis são diferentes daqueles tradicionalmente atribuídos aos substitutos de pais falecidos. Hoje, com a co-parentalidade, os pais biológicos continuam envolvidos, mesmo após a separação.

Desafios da Nova Configuração Familiar

Historicamente, as madrastas eram vistas de maneira negativa, muitas vezes retratadas como egoístas e frias em contos de fadas. Esse estereótipo vinha de um contexto em que a madrasta substituía a mãe falecida. Estudos de Falcke e Wagner mostram que tanto mães quanto madrastas são vistas como responsáveis pelo bem-estar da família, assumindo papéis de cuidadora e educadora.

Hoje, a maioria dos recasamentos envolve pessoas divorciadas e as mães biológicas continuam presentes na vida dos filhos. Em muitos casos, a guarda é compartilhada, permitindo que os filhos convivam com ambos os pais e a madrasta. A expectativa de que a madrasta ame os enteados da mesma forma que uma mãe biológica pode ser uma pressão desnecessária e irrealista.

As (Novas) Madrastas e Padrastos

Com o recasamento, surge o que chamamos de (novas) madrastas e padrastos. Eles compartilham relações e responsabilidades com os enteados e os pais biológicos, criando uma complexa teia de interações. Diferentemente do passado, quando a madrasta ou padrasto entrava em cena após a morte de um dos pais, hoje eles se juntam a famílias onde os pais biológicos ainda estão presentes e ativos.

Modelos de Funcionamento em Famílias Reconstituídas

Segundo Rivas (2012), existem três modelos principais de funcionamento em famílias recasadas. Vamos explicar cada um deles de forma simples:

  1. Substituição
    • O que é? Neste modelo, os padrastos ou madrastas assumem as responsabilidades e funções que os pais biológicos não estão mais desempenhando.
    • Como funciona? Imagine que uma criança vive com a mãe e seu novo marido. O pai biológico da criança pode estar ausente da vida dela por vários motivos (distância, falecimento ou outros). Nesse caso, o novo marido da mãe (padrasto) passa a desempenhar os papéis e responsabilidades que o pai biológico não pode cumprir, como ajudar nas tarefas escolares, participar das atividades da criança e oferecer suporte emocional.
    • Desafios: Pode ser difícil para o padrasto ou madrasta encontrar seu lugar e ser aceito pela criança, especialmente se o pai ou mãe biológicos ainda estão vivos, mesmo que distantes.
  2. Duplicação
    • O que é? Aqui, tanto os pais biológicos quanto os padrastos ou madrastas compartilham as responsabilidades de cuidar das crianças.
    • Como funciona? Imagine uma criança que passa parte do tempo com a mãe e o novo marido (padrasto) e parte do tempo com o pai e a nova esposa (madrasta). Todos os adultos envolvidos colaboram e compartilham tarefas como levar a criança à escola, comparecer a eventos importantes e oferecer suporte emocional e financeiro.
    • Desafios: Este modelo exige boa comunicação e cooperação entre todos os adultos. Pode ser complicado se houver conflitos ou falta de acordo sobre a criação da criança.
  3. Evitação
    • O que é? Neste modelo, apenas os pais biológicos mantêm as responsabilidades parentais, enquanto padrastos e madrastas têm um papel mínimo ou inexistente na criação dos filhos.
    • Como funciona? Imagine que uma criança vive com a mãe e o padrasto. No entanto, o padrasto não se envolve nas decisões ou na vida cotidiana da criança; quem cuida dessas responsabilidades é apenas a mãe e, possivelmente, o pai biológico, se ele estiver presente.
    • Desafios: Pode haver confusão e ressentimento se os papéis não forem claramente definidos ou se o padrasto ou madrasta desejar um envolvimento maior, mas não for permitido ou bem-vindo.

Construindo Novos Vínculos

O relacionamento entre enteados e madrastas/padrastos é influenciado por várias experiências e contextos. A idade e a maturidade da criança, o momento da dissolução da primeira família, e se os enteados moram ou não com a madrasta/padrasto são fatores cruciais para estabelecer um relacionamento íntimo (Smith, 1995; Teyber, 1995).

Para os padrastos, a dinâmica do relacionamento com os enteados é desafiadora. Muitos enfrentam a expectativa de preencher um papel que tradicionalmente era associado a uma mãe ou pai biológico. No entanto, o envolvimento e cuidado oferecido pelos padrastos pode ser muito significativo, mesmo que diferente do papel tradicional.

A Complexidade da Parentalidade em Famílias Reconstituídas

Nas últimas quatro décadas, o número de divórcios aumentou significativamente. Com isso, vimos um crescimento nas famílias onde apenas um dos pais (monoparentalidade) cuida dos filhos, e nas situações em que o pai ou a mãe não vive com a criança (parentalidade não residente). Muitas vezes, depois de uma separação, os pais encontram novos parceiros e formam novas famílias, o que traz novas dinâmicas para a parentalidade.

Parentalidade Social e Biológica

Quando os pais biológicos se separam e um deles se casa novamente, o novo cônjuge (madrasta ou padrasto) pode assumir algumas responsabilidades parentais. No entanto, isso não significa que eles substituem os pais biológicos. Em vez disso, temos uma situação em que a parentalidade social (do padrasto ou madrasta) se junta à parentalidade biológica (do pai e da mãe).

Novas Configurações Familiares

Essa combinação de diferentes papéis parentais cria uma nova estrutura, onde a criança pode contar com três adultos para cuidar dela: o pai, a mãe e o novo cônjuge de um deles. Esse modelo é chamado de pluriparentalidade, que significa ter múltiplos pais. A entrada de um novo padrasto ou madrasta na vida da criança, junto com a saída de um dos pais biológicos da casa, forma o que chamamos de tríade parental. Isso significa que, em vez de ter apenas dois pais, a criança tem três adultos desempenhando papéis parentais.

O Impacto na Dinâmica Familiar

Ter três adultos com papéis parentais pode tornar a situação mais complexa, pois cada um deles pode ter diferentes ideias sobre como criar a criança. Essa nova configuração pode ser desafiadora, mas também oferece a oportunidade de construir uma rede de apoio mais ampla para a criança. Para que essa dinâmica funcione bem, é importante que todos os adultos envolvidos mantenham uma boa comunicação e cooperação.

Ajudando a Navegar essas Mudanças

A psicoterapia familiar pode ser uma ferramenta valiosa para ajudar famílias reconstituídas a navegar essas mudanças. Um terapeuta pode ajudar a melhorar a comunicação, definir papéis e expectativas claras, e resolver conflitos de maneira saudável. Com o suporte certo, essas novas famílias podem construir relacionamentos fortes e saudáveis, proporcionando um ambiente estável e amoroso para as crianças.

O Papel dos Pais Biológicos e Sociais

Relatos indicam que os pais biológicos podem assumir uma postura passiva nas relações com seus filhos após a separação, o que resulta em um maior comprometimento das madrastas e padrastos em manter as relações paterno-filiais. A dificuldade para exercer uma paternidade mais ativa e o deslocamento de funções para os novos cônjuges é um desafio constante.

A influência positiva de madrastas e padrastos destaca a importância do diálogo e do entendimento mútuo. É essencial que cada membro da família tenha flexibilidade e respeito ao espaço do outro para acomodar seus papéis na nova configuração familiar.

Como a Psicoterapia Familiar Pode Ajudar

A psicoterapia familiar é uma ferramenta valiosa para ajudar famílias que enfrentam a complexidade das novas configurações familiares. Aqui estão algumas maneiras pelas quais a terapia pode ser benéfica:

  1. Facilitar a Comunicação: A terapia familiar cria um ambiente seguro onde todos os membros podem expressar seus sentimentos e preocupações. Isso ajuda a melhorar a comunicação e a resolver conflitos de forma construtiva.
  2. Definir Papéis e Expectativas: A terapia pode ajudar a definir claramente os papéis de cada membro da família, incluindo madrastas e padrastos, reduzindo confusões e expectativas irreais.
  3. Construir Vínculos Emocionais: A terapia pode promover a construção de vínculos emocionais entre os novos membros da família, ajudando madrastas e padrastos a desenvolverem relacionamentos positivos com seus enteados.
  4. Superar Ressentimentos: A terapia familiar pode ajudar a superar ressentimentos e mágoas do passado, permitindo que a família se concentre em construir um futuro harmonioso.
  5. Apoiar a Co-Parentalidade: A terapia pode ajudar os pais biológicos e sociais a trabalharem juntos de forma cooperativa, beneficiando o bem-estar das crianças.

O Papel do Psicólogo e da Sociedade

O papel do psicólogo, especialmente no judiciário e na Psicoterapia familiar Sistêmica Clínica ou educacional, é fundamental para identificar a dinâmica relacional de cada família e promover a reflexão sobre os papéis de cada um no cuidado dos filhos. Este profissional deve superar a concepção tradicional de família e abarcar as diversas configurações familiares, incluindo os novos membros que chegam com o recasamento.

Além disso, é crucial que as instituições ampliem o entendimento do que é ser família e quais membros a integram. Clínicas voltadas à família devem incorporar esses novos membros. Para futuros estudos, é importante envolver todos os integrantes da família recasada para uma compreensão mais completa dessa nova configuração familiar.

Conclusão

A nova configuração familiar traz desafios, mas também oportunidades para construir relacionamentos saudáveis e de apoio. Compreender a complexidade dos papéis e estabelecer um diálogo claro e aberto pode ajudar as famílias recasadas a criar um ambiente de respeito e amor, onde todos se sintam valorizados. Flexibilidade e respeito mútuo são essenciais para acomodar esses novos papéis dentro da família contemporânea. A psicoterapia familiar pode ser uma ferramenta crucial para facilitar esse processo, ajudando a família a navegar pelos desafios e a construir um futuro harmonioso juntos.

Dra. Margarete Ap. Volpi
Psicoterapeuta Familiar e casal.

Referências Bibliográficas

  1. Carter, B., & McGoldrick, M. (2021). As Mudanças no Ciclo de Vida Familiar: Uma Estrutura para a Terapia Familiar. Artmed.

  2. Féres-Carneiro, T. (2014). Família Contemporânea e Ciclo Vital: Intervenções Terapêuticas. Editora Casa do Psicólogo.

  3. Wagner, A. (2019). Famílias Reconstituídas: Desafios e Possibilidades. Artmed.

  4. Silva, M. R., & Oliveira, A. P. (2020). Conflitos e Adaptações em Famílias Reconstituídas: Um Olhar Sistêmico. Editora Juruá.

  5. Dias, A. P. (2022). Famílias Mosaico: Dinâmicas e Desafios nas Novas Configurações Familiares. Editora Sinopsys.

  6. Gomes, C. R., & Lopes, F. M. (2019). Psicoterapia com Famílias Reconstituídas: Teoria e Prática. Editora Appris.

  7. Almeida, R. M., & Ferreira, P. T. (2021). A Nova Família: Reconstituições e Desafios na Contemporaneidade. Editora Vozes.

  8. Nogueira, M. C., & Sousa, L. R. (2020). Relações Interpessoais em Famílias Reconstituídas: Estratégias para a Convivência Harmônica. Editora Loyola.

  9. Pereira, S. F., & Santos, G. M. (2018). Famílias Mistas: Adaptação e Convivência em Diferentes Contextos. Revista Brasileira de Terapias Familiares, 24(3), 67-82.

  10. Figueiredo, A. M., & Almeida, J. G. (2023). Dinâmicas e Desafios das Famílias Reconstituídas: Um Enfoque Psicossocial. Editora InterSaberes.

Uma resposta